
Em recente pesquisa, publicada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) mais de 33,1 milhões de pessoas passam fome no Brasil. A insegurança alimentar coloca em risco desde adultos e idosos, até crianças e jovens. Dados do UNICEF mostram que 47,1% das famílias brasileiras com crianças menores de 5 anos de idade vivem com algum grau de insegurança alimentar. Por isso é preciso olhar com atenção em como esse contexto impacta a educação, principalmente nas regiões mais afetadas.
A desigualdade social sempre foi um fantasma que pairou sobre a sociedade brasileira, em especial na região Nordeste. No sertão, atrelada a essa desigualdade, sempre observamos a presença da fome entre as famílias que fazem parte da comunidade escolar, em especial, quando as escolas se localizam nas periferias da cidade. Essa situação foi maximizada nos últimos tempos, devido a crise da pandemia e principalmente com a redução de políticas públicas voltadas para a diminuição desse problema.
Para muitas famílias em situação de risco, a escola sempre foi considerada um meio para que os alunos se sintam parte de uma sociedade justa e igualitária, e pensando a longo prazo, que esses mesmos alunos consigam mudar a realidade em que vivem para melhor. No sertão, árido e muitas vezes desolador, a escola é vista como o único caminho, inclusive para mudança social e sobrevivência da comunidade local. Não é por acaso que várias campanhas das esferas governamentais, sejam elas sobre saúde, meio ambiente ou assistência social, por exemplo, são iniciadas na escola e o apoio dos professores é tido como primordial para que elas aconteçam e tenham resultados positivos.
A escola sempre foi lugar de acalanto, segurança e referência, para inúmeras famílias sertanejas que vivem em situação de risco e insegurança alimentar. E isso não foi diferente durante o período de pandemia, seguido de problemas econômicos sentidos principalmente pelos mais pobres. A merenda escolar muitas vezes é a única refeição completa de vários alunos, cujos pais ou responsáveis não possuem uma renda fixa, ou sequer algum ganho capaz de suprir essa necessidade em seu lar. Durante os períodos de estiagem ou de poucas chuvas, a presença do aluno na escola também minimiza os gastos com alimentação em sua casa. E dessa forma, muitos pais buscam escolas integrais para seus filhos pensando justamente nas refeições garantidas e de qualidade que eles terão. Na obrigatoriedade do “fique em casa” em busca de não sofrer com a doença e mortes em decorrência dela, foi evidenciada ainda mais a insegurança alimentar pela qual nossos alunos e suas famílias passam. Com as aulas remotas, fomos obrigados a mostrar nosso lar aos nossos alunos, mas também conhecer a dura realidade deles, onde não só a falta de comida era colocada como problema, mas também a falta de estrutura familiar, de acesso às tecnologias para acompanhamento das aulas e de violência doméstica.
Muitas vezes o término das aulas por videoconferência não era finalizado pelo horário estipulado pela escola, mas sim pelo horário em que a comunidade receberia as doações de marmitas e cestas básicas por grupos de voluntários. Naquele momento, a única refeição completa do dia seria servida e a obrigatoriedade da continuidade da aula soaria até como falta de bom senso e empatia. “Por algumas vezes recebi mensagens e ligações pedindo ajuda em alimentos ou dinheiro para comprar remédio, gás ou o próprio alimento”, relata Sandra Freitas, Gestora da Escola Adeildo Santana Fernandes, situada em Tabira (PE).
Essa escola é um dos exemplos comuns nesses casos. Por ficar localizada em uma região periférica da cidade, a busca por auxílio nesse âmbito é muito comum. A própria gestora ainda confirma que algumas ações são realizadas pelos próprios funcionários, como arrecadação de roupas e alimentos para doação, buscando diminuir esse tipo de problema em algumas famílias da comunidade escolar. E que ao final do ano letivo de 2021, com o saldo de alimentos da merenda escolar no positivo, puderam realizar a distribuição de itens aos mais carentes da escola, beneficiando famílias de alunos de todos os segmentos, inclusive de educação especial, sendo muitos desses com uma necessidade alimentar ainda maior.
A insegurança alimentar vivenciada pelo aluno sertanejo, não o afeta apenas biologicamente. Observa-se o aumento de casos de crimes considerados simples, como pequenos furtos de celulares, por exemplo, buscando-se depois a venda do mesmo a aquisição de produtos de cesta básica. A fome faz com que aconteça uma reação em cadeia também social e emocional. O aluno que sofre com a insegurança alimentar sente-se envergonhado pela situação, muitas vezes nega receber o auxílio na frente dos colegas e os professores conseguem enxergar esses pontos que tantas vezes não são considerados nas discussões escolares acerca da situação social. Com os alunos menores isso fica ainda mais aparente. Crianças tímidas, caladas, amedrontadas e com as tarefas sempre por fazer, viram rotina em nossas salas de aula, dificultando ainda mais o avanço na aprendizagem, aumentando progressivamente o abismo entre o nível de escolaridade desejado, esperado e o real.
A maioria das cidades sertanejas são relativamente muito pequenas, onde os problemas econômicos são vistos primeiro e muitas vezes solucionados por último, com políticas públicas que demoram para acontecer e ações paliativas como doações de alimentos que não conseguem durar tanto tempo e nem atingir todas as pessoas que necessitam dela.
Essa pandemia deixou ainda mais evidente que a escola já não é mais uma instituição apenas para “dar aulas”, tornou-se algo ainda maior para esses alunos que convivem diariamente com a certeza de que não sabem quando e nem como será a próxima refeição. Virou “braço” da assistência social, incluindo a psicológica, e os professores abarcam ainda mais responsabilidades quando precisam observar, diagnosticar e muitas vezes contribuir, do próprio bolso, e abdicar do tempo de descanso para ajudar o seu próprio aluno a ter uma refeição tão digna quanto o orgulho que possuem pela região em que vivem.
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